Nesta segunda parte sobre as mudanças em Lisboa quero falar de algo que não é visível. Ou melhor, é. Mas não se apalpa, nem se vê assim de repente. Na onda das mudanças em Lisboa há algo no ar que vos quero falar e que é aquilo que mais me chama a atenção. Um aspeto mais subtil e menos percetível para quem vive fora de Portugal.
Não é a Lisboa dos pasteis de nata, da Torre de Belém ou do Chiado. É uma coisa diferente, como dizem os franceses, um “je ne sais quoi” que anda no ar e que se sente por todos os lados. Aos poucos Lisboa começou a atrair mais turistas é verdade, mas não é isto. Foi um fenómeno notório porque sendo uma cidade mais periférica tinha praticamente estado arredada de quase tudo. Mas é um outro sentimento que, a meu ver, mudou quase tudo. Quando era criança por vezes dizia: “mas porque é que Portugal não ganha pelo menos uma coisa na vida?” Acho que era essa a sensação dos portugueses da minha geração. Depois de uma ditadura de 40 anos, depois de sucessivos governos, crises e mais crises económicas era bom ser português, mas não havia aquele sentimento patriota. Aqui até se vivia bem, mas havia a ideia generalizada que lá fora era sempre melhor. Era essa a ordem de pensamento da altura. Mas a partir do início desta década os estrangeiros começaram a chegar, aliás eles já vinham mas ficavam-se pelo Algarve e era a praia que dominava tudo. Portugal = praia. Era isto. Só que aos poucos as coisas começaram a mudar. Lentamente, mas a passo certo como se diz por aqui. Os preços eram um fator importante porque Lisboa ainda é mais acessível que outras cidades, os voos low-cost davam uma ajuda vital assim como a possibilidade de um novo tipo de alojamento mais barato e disponível (Airbnb). Lisboa começava a entrar na rota das cidades mais badaladas da Europa, mas era o tal sentimento “de que lá fora era melhor que aqui” que também começava a mudar na nossa cabeça. Agora era mais do género “aqui é melhor que lá fora e nós sempre soubemos disso.”
A explosão
Não foi de repente, mas foram-se dando várias explosões diria. Começaram a vir turistas, mas acho que o trabalho primeiro foi do Turismo de Portugal que soube vender bem o país lá fora. Lisboa começava a fazer-se notar ao arrecadar alguns prémios no certame “World Travel Awards”. O anterior governo começou também com os vistos gold, uma forma de garantir residência a estrangeiros endinheirados fora do espaço Europeu em troca da compra de habitação em território português, normalmente casas de um milhão de euros para cima. Ainda nesta onda foram os benefícios fiscais que atraiam sobretudo franceses e alemães a comprarem casa em Portugal. Os turistas continuavam a vir por causa do sol, comida, praia e monumentos, mas agora já havia outros estrangeiros que viviam cá permanentemente – chineses, franceses, brasileiros e ingleses sobretudo. Os estudantes de Erasmus (programa de intercâmbio universitário na Europa) eram cada vez mais também. Portugal de repente começava a ganhar um sentimento novo, também ajudado com as conquistas no campeonato de futebol do Euro (ganhámos finalmente depois de em 2004 termos ficado em segundo lugar), Web Summit (já se realizaram duas edições do maior evento tecnológico do mundo) e até o Euro Festival da Canção ganhámos! De repente Portugal estava na crista da onda. Literalmente. Até a cidade da Nazaré dava nas vistas com as maiores ondas do mundo e um campeonato de surf que fazia vista grossa lá fora. No meio deste turbilhão todo chegam algumas “stars” de cinema (e não só) para cá viver, mas é Madonna quem dá mesmo nas vistas ao mudar-se para Lisboa. Lisboa e Portugal estavam nas bocas do mundo. De repente era ainda melhor ser português confesso. A gente estava em todas e ganhávamos aqui e ali. A Google vem para cá e para não ficar para trás a Amazon também quer vir. O famoso chef inglês Jammie Oliver já tem restaurante no Príncipe Real e o chef português José Avillez foi o grande vencedor do Grand Prix de L’Art de La Cuisine, um dos mais prestigiados prémios de cozinha do mundo. Os festivais de música já chamam pessoas só para vir a estes concertos, mas há gente que vem para fazer coisas totalmente diferentes no interior de Portugal, passear na tranquilidade do Alentejo ou deslumbrar-se com a beleza do vale do Douro.
A efervescência de Lisboa
Dito assim de forma curta passámos do quase nada para um prato cheio! A Lisboa que mal se ouvia falar está na moda e bate-se lado a lado com cidades como Berlim ou Barcelona. A estabilidade política (o governo mais improvável do mundo afinal já tem três anos) e um crescimento económico interessante fizeram atrair turistas que passaram a palavra e fizeram vir outros tantos. Americanos por exemplo. A CNN e a Condé Nast Travel parece que gostam mesmo de nós. Em Inglaterra o The Guardian também. Mais recentemente foram os chineses a chegar também eles com um voo direto entre Lisboa e Pequim.
Os pastéis de nata e os monumentos ainda fazem a delícia dos turistas, mas acho que é esta efervescência que existe agora aquilo que mais mudou por aqui. Lisboa tornou-se sinónimo de um local que incita à criatividade, é um “hub” de start-ups e parece estar a atrair gente de todo o mundo que vem em busca desse aroma de mudança que aqui se faz sentir. Lisboa está mais cosmopolita, mais aberta ao mundo, mas ao mesmo tempo ainda conserva aquelas coisas que fizeram com que fosse apetecível em primeiro lugar. Claro que algumas coisas mudaram, mas no essencial acho que aquilo que mais mudou foi este sabor de liberdade e este mar de “gente mente aberta” que circula por aí. Isso é fantástico!